Deficiências Adquiridas

Você pode nunca ter pensado nessa classificação, mas com certeza o nome é bastante explicativo. Quando uma pessoa passa a ter alguma deficiência ao longo da vida, chamamos essa de Deficiência Adquirida. Ela não nasceu com a deficiência, mas como resultado de um acidente ou alguma doença ela passa a ter algum impedimento físico, intelectual ou sensorial que afete sua participação na sociedade.

E adquirir uma deficiência ao longo da vida é algo bastante comum. Segundo a Pesquisa Nacional de Saúde do IBGE, quase 84% das pessoas com deficiência não nasceram com as suas deficiências. É um contingente de mais de 10 milhões de pessoas que passaram a ter limitações após algum evento de suas vidas. Você não vai precisar pensar muito para lembrar de uma pessoa que teve alguma sequela depois de um acidente de trânsito, por exemplo.

Dentre as causas das deficiências adquiridas, talvez essa que eu já citei seja mesmo a mais lembrada, afinal de contas só no ano de 2015 foram pagas mais de 595 mil indenizações do seguro DPVAT para pessoas que se envolveram em acidentes de trânsito e tiveram algum tipo de invalidez permanente. Mas há várias outras causas como acidentes do trabalho, acidentes domésticos e até mesmo acidentes em academias. Doenças diversas também têm seu papel nas deficiências adquiridas. É comum lembrar de doenças degenerativas como causas de deficiências e elas têm mesmo um papel importante. Doenças como a Esclerose Lateral Amiotrófica ou mesmo a Esclerose Múltipla são causadores de deficiência, mas suas incidências são pequenas se comparadas com outras doenças como por exemplo a Diabetes e a Catarata, que são grandes causadoras de cegueira.

A Guerra

Um fator que não é muito familiar para nós aqui no Brasil, mas que tem um papel fundamental no mundo todo, são as guerras. Os conflitos armados aumentam muito o número de pessoas com deficiências adquiridas. Somente a Primeira Guerra Mundial deixou um legado de mais de 9,5 milhões de pessoas com deficiência, entre soldados e civis, distribuídos nos países em guerra. Já na guerra do Vietnã, considerando apenas as tropas dos EUA, foram mais de 150 mil pessoas com deficiência. Uma característica muito marcante das guerras é que muitas dessas deficiências vêm associadas a transtornos mentais, como o Estresse Pós-Traumático. Mas ao mesmo tempo, o grande número de pessoas com deficiências adquiridas nas guerras motivou pesquisas médicas, como o desenvolvimento de próteses para amputados, e também a implementação de políticas públicas voltadas para as pessoas com deficiências, como a política de cotas em empresas privadas.

Mas a maioria desses avanços está restrita aos países desenvolvidos, como EUA e a Europa. Nos países pobres, as pessoas com deficiência adquirida como resultado do conflito têm pouco ou mesmo nenhum apoio. Apenas para se ter ideia, entre 1975 e 2007, o Vietnã registrou mais de 105 mil vítimas de minas terrestres. Muitas dessas vítimas morrem, mas várias sofrem mutilações de membros inferiores. Vale lembrar que a Guerra do Vietnã acabou justamente em 1975, então todas essas vítimas são do pós-guerra. Se você assistiu ao Globo Rural nas décadas de 1990 e 2000 muito provavelmente conheceu uma vítima das minas terrestres do Vietnã. O jornalista José Hamilton Ribeiro era corresponde na Guerra do Vietnã e pisou em uma mina terrestre. Em decorrência desse incidente ele perdeu uma de suas pernas.

Hoje, depois das guerras no Iraque e no Afeganistão, há mais de 770 mil pedidos de reconhecimento de deficiências por parte de ex-combatentes. Esse número deixa claro como os conflitos armados são danosos e deixam sequelas profundas na nossa sociedade.

A idade

Outra causa, muitas vezes ignorada, de deficiências adquiridas é o próprio avanço da idade. Nós muitas vezes não nos damos conta de que as chances de adquirirmos uma deficiência quando ficarmos velhos é muito grande. Pode ser uma baixa visão, uma impossibilidade de caminhar ou talvez uma surdez. Muitos de nós convivemos com pessoas mais velhas que possuem essas limitações, mas nem sempre percebemos que se tratam de deficiências.

É claro que os avanços da medicina têm melhorado muito a qualidade de vida das pessoas idosas e diminuído as limitações advindas do avanço da idade. Hoje, muitas pessoas se mantem ativas e com pouquíssimas limitações até uma idade bastante avançada. Mas uma hora ou outra, os efeitos do envelhecimento aparecem e há pouco o que se fazer. Talvez a idade seja um “inimigo” ainda mais implacável do que nós realmente percebemos.

A adaptação à deficiência adquirida

As deficiências adquiridas produzem mudanças profundas na vida da pessoa. Longe de mim dizer que é mais fácil para a pessoa com deficiência congênita (aquela com a qual a pessoa nasce), mas é uma relação muito diferente quando a pessoa não tem deficiência alguma e depois passa a ter. O próprio preconceito que a pessoa tinha em relação às PcD afeta essa relação. As pessoas acham que vão ficar inúteis, que a vida acabou e muitas vezes enfrentam quadros profundos de depressão. Algumas vezes demora muito tempo para se perceber que a vida continua e que há um mundo de possibilidades para as pessoas com deficiência também! Já pessoas com deficiência congênita, por enfrentar as limitações impostas pela sociedade desde criança, muitas vezes já criaram os mecanismos para enfrentá-las e conseguir viver com elas.

Você pode até estar lembrando daquela pessoa que adquiriu uma deficiência e “ficou super-bem”. Mas as pessoas são muito diferentes e cada uma reage de uma maneira diferente e num tempo diferente. E sejamos razoáveis, é completamente compreensível ter [muito] medo depois de descobrir que não vai mais andar ou depois de perder a visão. Quando pensamos a respeito, percebemos quão traumática pode ser essa situação. A resposta nem sempre é fácil e algumas vezes nunca vem completamente. É preciso muito apoio da comunidade ao redor da pessoa com deficiência para que ela possa superar essa questão. Não é nada fácil e ninguém deveria ter que passar por isso sem apoio.

A participação da Escola

Nesse contexto é fundamental a participação da escola. Primeiro de tudo, trabalhando a conscientização de toda a comunidade escolar. E depois atuando diretamente com a pessoa com deficiência, proporcionando as condições para que ela possa se desenvolver normalmente como qualquer aluno. O professor tem papel muito importante nesse processo de incluir. É preciso compreender que o aluno com deficiência adquirida muitas vezes ainda está passando pelo processo de aceitação e que ele pode ter problemas de comportamento, seu rendimento pode estar baixo porque ele ainda não encontrou o melhor método para estudar ou até mesmo a família pode não ter aceitado completamente a situação e isso está prejudicando seu desempenho. Sempre reforçamos que o professor precisa conhecer seu aluno e isso significa entender esses fatores que estão ao redor do aluno e que afetam sua vida. Buscar meios de dar suporte a esse aluno podem incluir trabalhos de adaptação de materiais didáticos, mudança nos métodos de avaliação, adaptação de conteúdos e valorização das pontencialidades do aluno para mostrar que ele ainda é capaz e útil.

Algo que sempre dizemos é que não se pode ter vergonha de buscar ajuda. Os professores e gestores de escolas não precisam saber tudo, mas precisam ter o desprendimento necessário para buscar ajuda. Construir redes de apoio para conseguir um resultado melhor e, quem sabe, mudar a vida de uma pessoa.

Saiba Mais

Em português

Um artigo sobre a cobertura da Guerra do Vietnã feita por José Hamilton Ribeiro e seu ferimento devido a uma mina terrestre.

Sobre as pessoas com deficiência depois da guerra no Iêmem.

Reportagem sobre pesquisa mostrando o desconhecimento do brasileiro sobre a Degeneração Macular da Visão, principal causa de cegueira na velhice.

Artigo bastante interessante sobre surdez na terceira idade, do Dr. Drauzio Varella.

Em Inglês

Reportagem da BBC a respeito dos efeitos da Primeira Guerra Mundial na questão das PcD.

Documento sobre a relação entre as guerras e as pessoas com deficiência.

Artigo da CBS falando sobre os pedidos de reconhecimento de deficiência nos combatentes das Guerras no Iraque e no Afeganistão. A Associação dos Veteranos de Guerra nos EUA também tem um artigo a respeito.

Sobre as consequências do uso de minas terrestres na Guerra do Vietnã.

 

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